segunda-feira, 22 de setembro de 2014

"Pequeno Livro da Desmatemática" - Manuel António Pina/ Pedro Proença



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Imaginemos um reino da desmatemática concebido pela sensibilidade de Manuel António Pina (1943-2012). Entram problemas de somar, de subtrair, de dividir e de multiplicar. Entram divisores lentos, um zero que queria fugir para o alfabeto, um -1 narcisista, o Pi e o próprio i. Quem reina é o poder da imaginação, num livro de brincar (“Pequeno livro de desmatemática”, Assírio & Alvim, 5ª edição, 2012) que faz um grande serviço ao fascínio pela matemática. Isto porque “brincar é uma coisa muito séria”, como escreveu Pina no próprio livro. Mais concretamente: “Eu gosto de palavras. E de matemática também. Por isso brinco com elas. Brincar é uma coisa muito séria: quem quereria brincar com gente ou com coisas de que não gosta?”
Fiquemos então com este rebuçado: A história do i.
A história do i
O i, número imaginário
com muita imaginação,
imaginara o cenário
para um filme de ficção.

A história começava
dentro de uma equação
de segundo grau, e o vilão
era uma raiz quadrada.

da fórmula resolvente
que assaltava à mão armada
um pobre x que passava,
roubando-lhe o expoente.

O herói, um matemático,
perseguia-a tenazmente
de equação em equação
até uma de quinto grau.

Aí, a raiz quadrada,
finalmente encurralada,
sem fórmula de esconder-se,
acabava por render-se.

A ideia era excelente,
o final um teorema.
Ficariam certamente
na História do Equacinema.

Mas o público queria
filmes de geometria,
ângulos obtusos, tangências,
estúpidas circunferências…

Por isso o i nunca mais
Se deu a fazer ficção.
Cedeu: «Não gasto imaginação
com números irracionais!»

Manuel António Pina, in “Pequeno livro de desmatemática”
Publicado por Sílvio Mendes

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