Um excelente livro para abordar o 25 de Abril com os nossos alunos. Vejamos algumas passagens brilhantes:
“Era uma vez uma flor.
Tanta flor que pode ter uma história, era uma vez... seja na primavera seja no próprio inverno.
Mas esta flor era uma vez num canto escuro da terra sem sol que lhe desse cor, sem um olhar que a tocasse, sem as mãos do vento que a fizessem estremecer.
Vivia num canto escuro perto de uma lagoa de sapos, entaipada. Nem o vento ou a vida a estremecia.
Era uma vez, mesmo uma vez, toda a sua vida de sombra.
Na escuridão os sapos fitavam na flor os seus olhos muito redondos e feios mas cheios de desejo de a olhar, como se lhe dissessem deslumbrados:
- És pobre, prisioneira da sombra e és bela!
E a flor continuava escondida como num lençol de trevas sepultada.
As suas raízes agarravam-se à terra, frágeis, recebendo a humidade.
O caule tentava erguer-se na posição vertical, à procura do sol que não chegava nunca.
E as pétalas, que não tinham nenhuma das cores do arco-íris, porque o sol nunca as tocara - iam-se abrindo, pálidas, devagarinho.
E, fora daquele canto da Natureza, a primavera já tinha rompido, aberto as cortinas de luz .
[...]
E o sol, um dia, apareceu pela madrugada, mesmo sobre a noite.
Nasceu mais cedo do que nunca, nem sabemos como podia ter nascido assim quando a Terra se movia exatamente como nos outros dias.
E veio de madrugada misturado com música tão mansa que as sombras se haviam esquecido de tapar a flor – a flor escondida de pétalas sem as cores do arco-íris, sem folhas verdes, de caule mal erguido.
E os sapos abriram mais seus grandes olhos com o musgo da solidão e o desejo verde de amar.
- És bela! És bela! – gritaram.
[...]
E a flor sorriu abrindo o vermelho nítido das pétalas, o verde nítido das folhas – que as flores também podem sorrir.
E então, viu-se uma criança que caminhava pela madrugada.
[...]
A flor vermelha, desde que tivera a cor que o sol lhe havia dado, começara breve a vida, a sua verdadeira vida ligada à terra.
E em vida sorriu. Vida breve de flor que em breve iria morrer.
Mas continuaria.
[...]
Ela, apesar de tudo vivera porque esperara – tanto! – o sol, com o amor irmão dos sapos.
E se deixara cortar para viva continuar.”
Matilde Rosa Araújo, História de uma flor, Caminho
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